Análise da obra
Os Sertões dá início ao que se chama de Pré-Modernismo na literatura brasileira, revelando, às vezes com crueldade e certo pessimismo, o contraste cultural nos dois "Brasis": o do sertão e o do litoral. Euclides da Cunha critica o nacionalismo exacerbado da população litorânea que, não enxergando a realidade daquela sociedade mestiça, produzida pelo deserto, agiu às cegas e ferozmente, cometendo um crime contra si própria; o que é o grande tema de Os Sertões. Em tom crítico, também mostra o que séculos de atraso e miséria, em uma região separada geográfica e temporalmente do resto do país, são capazes de produzir: um líder fanático e o delírio coletivo de uma população conformada.
Todos os importantes questionamentos e as grandes formulações sociológicas, antropológicas, históricas e políticas para compreender o Brasil, antes e depois da República, tiveram seu embrião nas páginas de Os Sertões.
A obra revela, às vezes com crueldade e certo pessimismo, o contraste cultural nos dois "Brasis": o do sertão e o do litoral. A transição de valores tradicionais para modernos está na denúncia que faz da realidade brasileira, até então acostumada a retratar um Peri, uma Iracema, um gaúcho, ícones do nosso Romantismo. Evidencia, pela primeira vez em nossa literatura, os traços e condições reais do sertanejo, do jagunço; "a sub-raça" que habita o nordeste brasileiro; o herói determinista que resiste à tragédia de seu destino, disfarçando de resignação o desespero diante da fatalidade. Essa ruptura de visão de mundo gera também um rompimento no plano lingüístico. A objetividade científica na abordagem de um problema leva o autor a buscar termos precisos e, nesta escolha, sua linguagem torna-se especializada e, por isso, às vezes difícil, mas que se justifica pelo objetivo de tornar exata a comunicação das idéias.
Considerada uma das obras-primas da literatura brasileira, Os Sertões, publicada em 1902, ano de sua primeira edição, cinco anos após a campanha de Canudos, cujo trágico desfecho Euclides da Cunha testemunhou como repórter de O Estado de São Paulo, apresenta não só um completo relato da Campanha de Canudos, que foi a luta sangrenta contra os fanáticos chefiados por Antônio Conselheiro, os quais ameaçavam a segurança das cidades e povoações vizinhas, mas apresenta ainda um admirável estudo da terra e do homem do sertão nordestino, das condições de vida do sertanejo, da sua resistência e capacidade, de acordo com a visão de Euclides da Cunha. Ele foi o único jornalista que atentou para a valentia dos jagunços.
Da primeira à última página, O Sertões é uma obra que incomoda. Ele foi escrito exatamente para isso. Para instigar, provocar a pesquisa e estimular a procura da verdade. É um livro contra o conformismo. É um livro de idéias e soluções, de questionamentos e proposições ousadas. Já é lugar comum dizer que algumas de suas conceituações científicas não resistiram à evolução. Contém os vícios ou distorções típicos da época.
É uma narrativa da insurreição de um grupo de fanáticos religiosos e não só descreve a sociedade mas também a geografia, geologia, e zoologia plana do sertão brasileiro. Com seu apurado estilo jornalístico-épico, traça um retrato dos elementos que compõem a guerra de Canudos: A Terra, O Homem e A Luta. A descrição minuciosa das condições geográficas e climáticas do sertão, de sua formação social: o sertanejo, o jagunço, o líder espiritual, e do conflito entre essa sociedade e a urbana, mostra-nos um Euclides cientificista, historicista e naturalista que rompe com o imperialismo literário da época e inicia uma análise científica em prol dos aspectos mais importantes da sociedade brasileira.
A primeira parte, A Terra, descreve o cenário em que se desenrolou a ação. Euclides da Cunha, num apanhado geral, estudou os caracteres geológicos e topográficos das regiões que estão entre o Rio Grande do Norte e o sul de Minas Gerais, de modo particular a bacia do rio São Francisco. Nos sertões do norte, fala discorre sobre a seca, das causas da mesma, dando relevo especial ao papel do homem como agente geológico da destruição, que ao praticar desde os tempos mais remotos a agricultura primitiva baseada em queimadas, arrasou as florestas. Os desertos, a erosão, o ciclo das secas terríveis vieram em seguida.
A segunda parte, O Homem, completa a descrição do cenário com a narrativa das origens de Canudos. Ali Euclides da Cunha estudou a gênese do jagunço e, principalmente, a de seu líder carismático, Antonio Conselheiro. Falou de raças (índio, português, negro), e de sub-raças (que indica com o nome "mestiço"). Em O Homem o autor caracterizou o sertanejo como "Hércules-Quasímodo", usando antíteses e paradoxos (Hércules era um semi deus latino, encarnação de força e valentia; Quasímodo era sinônimo de monstrengo, de pessoa disforme, personagem de Nossa Senhora de Paris, romance de Victor Hugo). Preparando o ambiente para os episódios de Canudos, Euclides da Cunha expôs a genealogia de Antônio Conselheiro, suas pregações e a fixação dos sertanejos no arraial de Canudos.
A terceira parte, A Luta, é a mais importante, constituída da narrativa das quatro expedições do Exército enviadas para sufocar a rebelião de Canudos, que reunia "os bandidos do sertão": jagunços (das regiões do Rio São Francisco) e cangaceiros (denominação no Norte e Nordeste). Havia cerca de 20.000 habitantes no arraial, na maioria ex-trabalhadores dos latifúndios da região.
Dividida em seis subtítulos (Preliminares, Travessia do Cambaio, Expedição Moreira César, Quarta Expedição, Nova Fase da Luta e Últimos Dias) completou, por sua vez, o elenco dos personagens esboçado na segunda parte (O Homem), quer estudando-os em conjunto, como no trecho Psicologia do Soldado, quer em closes particularizantes, como no retrato físico e psicológico do coronel Antônio Moreira César.
Início da luta
As autoridades de Juazeiro se recusam a mandar a madeira que Antônio Conselheiro adquirira para cobrir a igreja de Canudos; os jagunços, então, pretendiam tomar à força o que haviam comprado e pago. Avisado das intenções dos homens de Conselheiro, o governo do Estado manda que em Juazeiro se organize uma força que elimine o foco de banditismo.
A primeira expedição - Cem homens, comandados pelo tenente Pires Peneira, são surpreendidos e derrotados pelos jagunços no povoado de Uauá.
A segunda expedição - Quinhentos homens, comandados pelo major Febrônio de Brito e organizados em colunas maciças, são emboscados pelos jagunços em terrenos acidentados, no Morro do Cambaio e em Tabuleirinhos. Destacam-se os “bandidos” João Grande e Pajeú, este último considerado por Euclides verdadeiro gênio militar. Reduzidas a cem homens, as tropas do governo decidem voltar.
A terceira expedição - Mil e trezentos homens, comandados pelo coronel Moreira César, armados com canhões Krupp — recém-importados da Alemanha —, sem planos definidos, partiram em fevereiro de 1897, atacando de frente, do Morro da Favela, o arraial de Canudos. Os jagunços, protegidos pela irregularidade do relevo, buscavam o corpo-a-corpo e desorganizaram as tropas, que na retirada desastrosa deixaram para trás armas, munições, os canhões Krupp e o próprio general Moreira César, morto após ter sido ferido em combate.
A quarta expedição - Cinco mil homens, comandados pelos generais Artur Oscar, João da Silva Barbosa e Cláudio Savaget, são enviados pelo sul. As tropas dividem-se em duas colunas. A primeira é cercada pelos jagunços no Morro da Favela e tem de se socorrer da segunda coluna que, vitoriosa em Cocorobó, havia mudado de estratégia, dividindo-se em pequenos batalhões. As duas colunas tentam um ataque maciço. Conseguem tomar boa parte do arraial, mas os soldados mal resistem à fome e à sede.
Em agosto de 1897, oito mil homens deslocam-se para a região, comandados pelo próprio ministro da Guerra, o marechal Carlos Bittencourt.
São cortadas as saídas de Canudos, o abastecimento de água é interrompido. Um tiro de canhão atinge a torre da Igreja. Estóicos, esperando a salvação eterna, os sertanejos não se renderam, e muitos foram degolados após o assalto final.. Perpetrou-se dessa forma o crime de uma nacionalidade inteira, no dizer de Euclides da Cunha, que a tudo acompanhou do Morro de Uauá, de onde escrevia suas reportagens para o jornal A Província de São Paulo, hoje O Estado de São Paulo, mais tarde refundidas nessa obra monumental que são Os Sertões.
Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/os_sertoes
Análise 2
OS SERTÕES
O autor fizera a cobertura do conflito de Canudos para o jornal "O Estado de S. Paulo" e seu livro foi escrito com base nos acontecimentos que presenciou naquela região
Obra publicada em 1902 por Euclides da Cunha, Os Sertões é um misto de literatura com relato histórico e jornalístico. É uma resposta realista e pessimista à visão ufanista do Brasil, simbolizada pela obra do Conde Afonso Celso Porque me Ufano do Meu País. Em 1897, Euclides da Cunha havia sido enviado pelo jornal O Estado de S. Paulo, como correspondente, ao norte da Bahia para fazer a cobertura do conflito no arraial de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro. Com base no que viu e no que pesquisou depois, escreveu seu livro.
CIÊNCIA LITERÁRIA
Dividido em três partes – A Terra, O Homem e A Luta –, o livro ganhou status de obra literária em virtude do estilo apurado e impecável de Euclides da Cunha.
A primeira parte, A Terra, pode ser vista como um estudo geográfico escrito em forma literária.
Seguindo os princípios positivistas, o autor descreve de forma minuciosa as características do meio sertanejo. Ao traçar a rota do sudeste, partindo do litoral em direção ao sertão, Euclides da Cunha, com olhar científico, leva o leitor por um árido percurso descritivo.
O vocabulário técnico empregado afastaria essa narrativa da conceituação clássica de literatura. Porém, o estilo empregado pelo narrador dá à obra um ritmo peculiar. Isso se deve à cadência formal (representada pelas construções sintáticas), que imita o movimento de entrada no sertão. Dessa forma, percebe-se uma preocupação estética: o narrador busca, no plano da forma, reproduzir, ou imitar, o conteúdo do texto.
Se a primeira parte se aproxima do estudo geográfico, a segunda (O Homem) pode ser confundida com um texto antropológico. De acordo com a estética naturalista, fortemente amparada pela filosofia de Taine – na qual o homem é determinado pela tríade meio/raça/história –, essa parte representa o aprofundamento de análise da raça sertaneja.
A Luta, terceira parte do livro, narra a batalha entre o litoral desenvolvido e o interior atrasado. A princípio, Euclides da Cunha, que compartilha as idéias do povo litorâneo, enxerga os acontecimentos no arraial de Canudos como uma revolta. No decorrer da narrativa, porém, essa posição se altera gradativamente até a compreensão de que os sertanejos constituíam um povo isolado e, por isso, homogêneo.
Essa homogeneidade se deve a um isolamento histórico provocado pelo esquecimento civilizatório, que os manteve distantes do desenvolvimento litorâneo.
ENREDO
A TERRA – De um ponto de vista privilegiado, elevado, o narrador inicia uma série de descrições que, como foi dito, se aproximam de uma tese científica. Passando seu olhar arguto por análises biológicas, climáticas e geográficas, ele descobre o espaço do sertão. Começa pelo planalto central e chega até o norte da Bahia, no arraial de Canudos.
Nessa descrição, Euclides da Cunha estuda de maneira detalhada o meio que determinou a formação do homem sertanejo. Isso serve de ratificação da teoria determinista, muito em voga na época, que postulava a determinação do meio sobre o homem. O seguinte trecho é bastante ilustrativo, tanto do ponto de vista formal quanto do metodológico, dessa primeira parte do livro:
“Do alto da Serra de Monte Santo atentando-se para a região, estendida em torno num raio de quinze léguas, nota-se, como num mapa em relevo, a sua conformação orográfica. E vê-se que as cordas de serras, ao invés de se alongarem para o nascente, medianas aos traçados do Vaza- Barris e Itapicuru, formandolhes o divortium aquarum, progridem para o norte. Mostram-no as serras Grande e do Atanásio, correndo, e a princípio distintas, uma para NO e outra para N e fundindo-se na do Acaru, onde abrolham os mananciais intermitentes do Bendegó e seus tributários efêmeros. Unificadas, aliam-se às de Caraíbas e do Lopes e nestas de novo se embebem, formando-se as massas do Cambaio, de onde irradiam as pequenas cadeias do Coxomongó e Calumbi, e para o noroeste os píncaros torreantes do Caipã. Obediente à mesma tendência, a do Aracati, lançando-se a NO, à borda dos tabuleiros de Jeremoabo, progride, descontínua, naquele rumo e, depois de entalhada pelo Vaza- Barris em Cocorobó, inflete para o poente, repartindo-se nas da Canabrava e Poço-de-Cima, que a prolongam. Todas traçam, afinal, uma elítica curva fechada ao sul por um morro, o da Favela, em torno de larga planura ondeante onde se erigia o arraial de Canudos – e daí para o norte, de novo se dispersam e descaem até acabarem em chapadas altas à borda do S. Francisco.”
O HOMEM – Partindo de uma análise da gênese antropológica das raças formadoras do homem brasileiro, o narrador decreta a impossibilidade de unidade racial, ou seja, no Brasil seria impossível termos uma raça homogênea. Porém, devido ao isolamento dos paulistas desbravadores que se tornaram vaqueiros do São Francisco, pode-se dizer que se criou nesse povo certa homogeneidade.
O narrador discorre, também, sobre as tradições sertanejas dos vaqueiros, descrevendo com minúcias seu modo de vida.
Em virtude de fazer parte de uma família cearense que se envolvera em querelas na região, além de ter perdido sua mulher para um policial, Antônio Conselheiro embrenhou-se pelo sertão sem rumo certo, peregrinando pelas cidades. Ele tinha uma imagem messiânica, profética: trajava roupão azul, com uma cabeleira por cortar e desgrenhada, carregando um bastão. Essa imagem favoreceu sua associação com uma figura mística, que serviu como uma luva para o povo fanático e desvalido.
A formação do povo brasileiro é assim descrita por Euclides da Cunha:
“Conhecemos, deste modo, os três elementos essenciais, e, imperfeitamente embora, o meio físico diferenciador – e ainda, sob todas as suas formas, as condições históricas adversas ou favoráveis que sobre eles reagiram. No considerar, porém, todas as alternativas e todas as fases intermédias desse entrelaçamento de tipos antropológicos de graus díspares nos atributos físicos e psíquicos, sob os influxos de um meio variável, capaz de diversos climas, tendo discordantes aspectos e opostas condições de vida, pode afirmar-se que pouco nos temos avantajado. Escrevemos todas as variáveis de uma fórmula intricada, traduzindo sério problema; mas não desvendamos todas as incógnitas.
É que, evidentemente, não basta, para o nosso caso, que postos uns diante de outros o negro banto, o indo-guarani e o branco, apliquemos ao conjunto a lei antropológica de Broca. Esta é abstrata e irredutível. Não nos diz quais os reagentes que podem atenuar o influxo da raça mais numerosa ou mais forte, e causas que o extingam ou atenuem quando ao contrário da combinação binária, que pressupõe, despontam três fatores diversos, adstritos às vicissitudes da história e dos climas.
É uma regra que nos orienta apenas no indagarmos a verdade. Modifica-se, como todas as leis, à pressão dos dados objetivos. Mas ainda quando por extravagante indisciplina mental alguém tentasse aplicá-la, de todo despeada da intervenção daqueles, não simplificaria o problema.”
A LUTA – O conflito de Canudos surgiu de uma pequena desavença local. Antônio Conselheiro havia encomendado e pago um lote de madeiras para a construção de uma igreja no arraial de Canudos. Como o lote não foi entregue, houve uma ameaça de ataque à cidade de Juazeiro. O juiz da região pediu ajuda ao governador da Bahia, que, não conseguindo resolver a situação, solicitou a presença das tropas federais. Antônio Conselheiro também era acusado de sonegador de impostos e de ser antirrepublicano, por manifestar-se contra a dissociação entre Estado e Igreja no casamento – medida surgida com o advento da República.
Esses foram os argumentos oficiais do governo brasileiro para o ataque ao arraial de Canudos. Este trecho de Euclides da Cunha descreve a situação no final dos combates:
“A luta, que viera perdendo dia a dia o caráter militar, degenerou, ao cabo, inteiramente. Foram-se os últimos traços de um formalismo inútil: deliberações de comando, movimentos combinados, distribuições de forças, os mesmos toques de cornetas, e por fim a própria hierarquia, já materialmente extinta num exército sem distintivos e sem fardas. Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam resistir por muitas horas. Alguns soldados se haviam abeirado do último reduto e colhido de um lance a situação dos adversários. Era incrível: numa cava quadrangular, de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou-se aquilo o “hospital de sangue” dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército. E lutavam com relativa vantagem ainda. Pelo menos fizeram parar os adversários. Destes os que mais se aproximaram lá ficaram, aumentando a trincheira sinistra de corpos esmigalhados e sangrentos. Viam-se, salpintando o acervo de cadáveres andrajosos dos jagunços, listras vermelhas de fardas e entre elas as divisas do sargento-ajudante do 39o, que lá entrara, baqueando logo. Outros tiveram igual destino. Tinham a ilusão do último recontro feliz e fácil: romperam pelos últimos casebres envolventes, caindo de chofre sobre os titãs combalidos, fulminando-os, esmagando-os...”
CONCLUSÃO
Estruturado em três partes que se referem à teoria determinista de Taine, Os Sertões, de Euclides da Cunha, é a primeira obra significativa que se contrapõe à visão ufanista e ingênua do país. Além do valor literário, tem o grande mérito de retratar a comunidade de Canudos, que foi liderada por Antônio Conselheiro.
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/estude/literatura/materia_416328.shtml
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